Pesquisa de História destaca o papel das viúvas no comércio e na sociedade do século XIX no Brasil

A doutora Jéssica Santana de Assis Alves, egressa do Programa de Pós-graduação em História (PPHR/UFRRJ), teve sua tese intitulada “À frente dos negócios: a atuação de viúvas na direção de comércios de secos e molhados na cidade do Rio de Janeiro (1850-1889)” premiada com menção honrosa pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) na edição de 2025. O trabalho foi orientado pela professora Fabiane Popinigis e trata da atuação de mulheres viúvas à frente do comércio no Rio de Janeiro no século XIX.

Jéssica Santana (arquivo pessoal)

O trabalho analisou as atividades de 56 viúvas de comerciantes portugueses que sucederam seus maridos nos negócios, com foco na reinterpretação da divisão de trabalho entre os gêneros nas famílias proprietárias de comércio, nas condições de ascensão social e de construção da economia urbana do período. O objetivo do estudo foi destacar a conduta feminina no meio comercial, revelando que as viúvas não eram meras espectadoras, mas sim protagonistas ativas na gestão dos negócios e na dinâmica social.

A pesquisa parte do diálogo com referenciais da História Social e da História das Mulheres, incorporando também estudos de gênero. A tese desloca o olhar das narrativas centradas exclusivamente em sujeitos masculinos, tradicionalmente privilegiados pela historiografia, e evidencia a atuação feminina em múltiplas dimensões — da vida doméstica, à esfera pública e econômica, incluindo participação em redes de sociabilidade, e que se tornaram relevantes na economia do Brasil na segunda metade do século oitocentista.

Em entrevista, a autora relembra que foram quatro anos de árdua pesquisa e, como se deu em meio à pandemia de Covid-19, foi necessário se debruçar sobre arquivos digitais que incluíram inventários post-mortem (procedimento legal obrigatório para organizar e partilhar os bens de uma pessoa falecida entre seus herdeiros), além de registros paroquiais de nascimento, casamento, óbito, processos judiciais, anúncios de jornais e o Almanak Laemmert (registro administrativo que listava os comerciantes no período). Os documentos, permitiram mapear a presença de mulheres viúvas em estabelecimentos de secos e molhados, espécie de armazéns que vendiam uma variada gama de produtos, que incluíam alimentos, roupas e até ferramentas.

Almanak Laemmert usado na pesquisa

“O grande desafio não foi exatamente o acesso físico às fontes, mas o processo de encontrar as mulheres no interior delas”, aponta Jéssica Alves. A historiadora destacou a dificuldade de encontrar nos registros a presença dessas mulheres em meio a grande quantidade de documentos que faziam referências às figuras masculinas e ocultavam a importância que essas viúvas tinham na sociedade.

Para a pesquisadora, compreender as relações de gênero no século XIX no Brasil pode nos permitir apreender como normas sociais, jurídicas e culturais construíram papéis diferenciados e desiguais entre homens e mulheres, mas também como essas normas foram tensionadas no cotidiano: “As mulheres muitas vezes aparecem “à sombra” dos maridos, ou de forma esparsa e fragmentada na documentação. Eram agentes fundamentais para o funcionamento dos negócios”.

A tese premiada revela permanências que atravessaram o tempo e podem ajudar a explicar a persistência de desigualdades de gênero: “Essa forma de pensamento social tem ecos claros até hoje. Se por um lado avançamos muito em termos de presença feminina em praticamente todos os espaços da economia e da política, por outro lado persistem barreiras de reconhecimento, como se as mulheres tivessem constantemente que provar que podem ocupar esses lugares”, analisa a pesquisadora.

O Prêmio Capes de Tese, concedido anualmente, reconhece as pesquisas de doutorado de maior originalidade, rigor metodológico, impacto científico e social. Ao destacar um trabalho dessa natureza, a premiação reforça não somente a excelência da pesquisa, como também  a consolidação dos estudos de gênero como campo legítimo e fundamental da historiografia brasileira, em consonância com tendências internacionais que, desde as últimas décadas do século XX, têm renovado o entendimento sobre poder, subjetividade e experiência histórica.

Pesquisadora em ação (arquivo: J. Santana)

“Receber a Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese tem um significado que vai muito além da minha trajetória pessoal. Trata-se de um reconhecimento que legitima a centralidade dos estudos sobre as mulheres na historiografia. O prêmio mostra que essas pesquisas são importantes para compreender não apenas a história das mulheres, mas aspectos da própria sociedade brasileira”, enfatiza Jéssica Alves.

De acordo com o mais recente estudo divulgado em 2025 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres representam 52,8% do total da força de trabalho no Brasil, uma alta de 0,9% em relação ao levantamento de 2012, mas denotam a dificuldade que as mulheres enfrentam para entrar ou permanecer no mercado de trabalho, muitas vezes por falta de creche, escola em tempo integral e ao baixo salário em comparação aos homens que exercem a mesma função.

Esse quadro, quando comparado a informações da pesquisa realizada pela historiadora, demonstra um problema crônico, em que as mulheres precisam trabalhar o dobro dos homens, com cargas horárias que conciliam o trabalho externo com afazeres domésticos e educação dos filhos, nada muito diferente de quase dois séculos atrás.

A tese de Jéssica Santana Alves está disponível no Repositório Institucional de Múltiplos Acervos da UFRRJ (Rima):  https://rima.ufrrj.br/jspui/handle/20.500.14407/22271

 

Imagens: Arquivo Jéssica Santana

Texto: Antonio Carlos Comodaro – discente de Direito, bolsista de Comunicação do ICHS/PDAI

Supervisão: Alessandra de Carvalho – docente do curso de Jornalismo 

 

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